Quantos sonhos você já deixou para trás?
Relicário, baú onde guarda-se objetos raros e de grande valor afetivo. E há relicário maior do que o coração humano?
É nele onde guardamos os nossos tesouros mais íntimos, as nossas joias mais preciosas. A flor que gera a semente, e que gera, de novo, a flor e assim numa sucessão de ideias e sentimentos ideais, montamos um quebra-cabeças de muitas peças que, com o tempo se encaixam e formam nosso caráter mostrando o lugar que ocupamos no mundo, na sociedade e na vida. São os refluxos das memórias que nos constroem como seres humanos, traçando a nossa trajetória pelo universo das paixões, do amor, das vontades e de sentimentos mais diversos que abalam as nossas estruturas, tão frágeis. Elimine as memórias de um homem e, nada, ele terá para estimular a continuidade do viver.
Ser humano, talvez seja uma das mais difíceis provas da humanidade, pois se nascemos espírito bruto, e com as várias vivências vamos-nos lapidando em diamantes, ou pedras menos raras porém, não menos preciosas, fica difícil driblar o torvelinho da vida que nos trás tantas lutas para sobreviver numa sociedade onde o TER é tão presente e o SER , muitas vezes , fica escondido embaixo da lápide de concreto de um futuro que não sabemos se vai chegar. "Ser ou não Ser..." ainda é a questão.
Relicário de Concreto é um poema concreto, que busca tirar do expectador todas as reservas que ele possa ter, egoisticamente, guardado no recôndito do relicário coração. O ambiente intimista da fábrica, nos faz pelegos, nos faz queixadas, nos coloca na posição de peças de um quebra-cabeça humano. A visão de cada personagem, cada objeto de cena, tudo é colocado em choque com os sentimentos mais íntimos de cada expectador. A pouca luz cria sombras, cria ilusões que, no fundo, são as nossas próprias sombras que nos perseguem. Nesse sentido, creio que o teatro é mais que divertimento, é mais que uma realidade ficcional, é mais do que um encontro no átrio, é mais do que supõe a nossa vã filosofia.
Ao final da peça, quando fomos convidados a nos retirar confesso que , por um momento, me senti parte de tudo aquilo, foi como viajar no tempo, num moto contínuo de emoções que há muito ficou impregnado no pó gerado pela fábrica de cimento Perus. A história de Perus, da fábrica, a memória de cada pessoa que viveu esse momento da greve, da opressão enfim, são relíquias que são depositadas pela dramaturgia de Vince Vinnus, como peças de uma exposição onde, cada expectador é o próprio suporte da peça, porque, no fundo, faz do expectador um ator e do ator um co-autor da própria história implícita em cada cena.
Parabéns, Pandora, pelo belo trabalho e pelo clima de encantamento que só se consegue quando se coloca a alma em ação. E quando se faz isso, quanto menos se tem, mais se projeta no outro.
Regina Célia de Oliveira
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